Vocês estão ouvindo?
Quem já foi meu aluno sabe, porque sempre conto, que o que faço há mais tempo na vida de forma remunerada é dar aulas. Oficialmente, dois meses depois de me formar (faz mais de vinte anos, deixa assim) , eu já era professora substituta da UFSC, dando aula na engenharia, nas ciências contábeis e no direito, uma temeridade. Mas desde adolescente eu dava aulas particulares para os amigos do meu irmão e também fiz escambo, dei aula de português para meu professor de física. Filha de professores, diziam. Sim, e se tem uma coisa que vi na minha infância, foi diário de classe sendo preenchido. Inclusive por mim.
Embora eu ache que um certo talento é recomendável para o magistério, principalmente para ter interesse pelo aluno, também acredito em estudar para ser professor. Li sobre metodologia de ensino, tive cursos de didática com as melhores. Saber muito de um assunto não significa ser capaz de transmití-lo, nem de avaliar se aquele conteúdo foi bem transmitido e se despertou algum interesse. As aulas no curso de direito sempre foram muito tradicionais, esquema expositivo, quadro, leituras, perguntas, e, no meu caso, umas gracinhas para alegrar, mas não no início de tudo. Quem começa a dar aula muito nova "não mostra os dentes", dizia minha mãe.
Mas não quero falar de antes, quero falar de agora. Eu fui gostando cada vez mais do que posso fazer com o magistério, das inúmeras opções para compartilhar e ir atrás de conhecimento. Com a magistratura ainda acrescentei experiências inigualáveis. E pós graduação e cursos de atualização me encantam pela possibilidade de finalmente "sair da caixa", causar desconforto com perguntas, além de respostas. Iniciar um raciocínio com uma conclusão em mente, e ao final, chegar em outra, nem imaginada, com base no que foi sendo desenvolvido. Direito do trabalho permite isso, porque é o direito das pessoas, das relações que envolvem entrega de força de trabalho e todas as complicações dos relacionamentos entre quem contrata e remunera e quem trabalha.
E existe um "flow" na vida do professor, que é quando a gente desenvolve uma ideia, apresenta conceitos para embasar, vai movimentando a mente dos alunos e, de repente, acontece. Eu vejo o brilho. A faísca de compreensão. De satisfação de compreensão e de pensar em algo de uma nova forma. Aquele momento único de uma ideia ser formada a partir de algo que eu falei (ser merecedora disso é outra história). Depois tudo pode mudar, o aluno pode ler e chegar a uma nova concepção do mesmo tema, e vai voltar com outro brilho, que também é ouro: da dúvida, do questionamento, da incerteza. E é nesses momentos que eu sei que estou onde deveria estar. Aquele momento em que completei a maratona depois de tanto treino, consegui mostrar as vantagens da conciliação no processo cabeludo, terminei a sentença de um processo sofrido e cheio de "verdades". Mostrei um caminho para conhecimento. Para a construção de um novo saber.
Talvez isso seja o que chamam de propósito.
Esse flow é aquele retorno quase que imediato. Que se você piscar, perdeu. E por isso eu digo que o retorno mais imediato, rápido e eficiente profissional é o do professor, quanto ao impacto do que fez na vida de alguém (imagina depois, quando passam em concurso, tornam-se advogados incríveis, professores melhores do que a gente?!). Por isso que dar aula gostando de verdade disso, faz diferença. Porque para ter o flow, tem que estar atenta e disposta.
E agora, eu, que adoro cheiro de sala de aula, aquela mistura de aroma de sala fechada com café, desodorante válido e vencido, abraço de alunos no final de cada ciclo, foto com todo mundo apertadinho para caber, me rendi ao ensino em nova modalidade.
Eu já estava com curso de EAD em andamento, é um projeto desde o ano passado. Mas no formato tradicional de ensino à distância, módulos gravados, embora na sala de aula, andando, em pé, para eu não achar muito estranho, ou seja, uma exposição mais pura. Como seu eu lesse um livro meu, com ares de contadora de história. Me preparei para isso por quase dois anos, vencendo minha cisma de que não seria a mesma coisa. Surpresa, não é a mesma coisa! é outra coisa, mas uma coisa que pode ser boa. Como eu sei disso? Quando decidi gravar aulas, comprei três cursos online para ver o que eu achava, de áreas totalmente diferentes (direito, nutrição e educação financeira). E gostei, no geral. Gostei mais quando fiz anotações e fiquei sentada assistindo como se fosse uma aula tradicional, devo dizer. A vantagem de ouvir em qualquer lugar funcionou para algumas aulas, não para todas. E com isso descobri o podcast, que achei super democrático, por isso já gravei 77 episódios, e acabo de perceber que ele já tem mais de um ano (primeiro episódio "valendo" foi em junho do ano passado). O que mais me alegrou , claro, foi o retorno das pessoas que escutam, compartilham, recomendam, me mandam ideias, dúvidas, etc. Isso me deu segurança para a áula em vídeo.
Mas eis que vem a pandemia e com ela a necessidade de criar um novo formato, que não é bem ensino à distância, mas é por vídeo, através das plataformas.
No Ead, oficialmente eu não sei se as pessoas estão prestando atenção no que estou dizendo, se estão me ouvindo. Nesse novo formato, eu me sinto, em geral, abandonada e só (pausa dramática)
Os alunos deixam o microfone desligado, e isso é realmente necessário porque o ruído não é nada parecido com burburinho de sala de aula presencial. Mas muitos desligam a câmera também. Em uma turma de pós (que seria presencial, mas tivemos que adaptar), NINGUÉM ligou a câmera. "Mas eu estava de pijama". Tudo bem, juro que não vou comentar e inclusive fingirei não perceber. "Não passei nem um batom", "o fundo é feio", "tem mais gente na sala"...vejam, não é que eu não entenda, só não sou obrigada a achar super legal, percebem?
E eu falo muito. Mas tipo muito. Sem ninguém me interrompendo, eu mal respiro. Na sala de aula presencial eu identifico claramente os sinais de cansaço de quem me ouve, o ar de dúvida, o olhar de quem perdeu uma informação e está com vergonha de perguntar...e posso agir conforme esses sinais. Agora, eu não tenho noção do que se passa. Nem se estão ali de fato. Até porque o meu filho, por exemplo, sai bastante do quarto durante a aula on line, adora uma voltinha, e eu fico ali mandando voltar e ligar a câmera para o professor ver que ele está ali. No curso que estou ministrando com o colega Oscar, na aula síncrona, em geral, os alunos deixam a câmera ligada, e avisam quando vão deixar desligada, dão uma satisfação. E eu sei que não falo olhando para onde deveria, a câmera, porque falo olhando para os quadradinhos com eles, os alunos. Mas é para procurar os sinais que são sempre tão fáceis quando estamos todos juntos. No curso que ministrei pela plataforma zoom, que teve a aula síncrona que foi gravada e ficou disponível, achei interessante, as perguntas vinham pelo chat específico, e eu de vez em quando perguntava se estava tudo bem e felizmente me respondiam, porque ver, mesmo, eu só via o material de powerpoint que estava compartilhando.
Difícil é ficar sentada todas aquelas horas. Sou cheia de mãos, de gestos, de andares, de paradas. E ali fico estática para ficar enquadrada, literalmente. É estranho não saber nem se minhas piadas (repetidas) ainda fazem algum sucesso...se consigo provocar aquele flow.
No final das contas, eu até entendo quem tira o microfone, a câmera, quem fica de pijama e não passa batom. É a vantagem de não estar fisicamente, não? No caso do EAD puro, dá até para escolher quando ouvir, assistir, pausar, voltar, ouvir de novo. E algo que estou adorando é saber que podemos alcançar um número muito maior de pessoas agora. Eu tenho alunos de toda Santa Catarina no curso Covid e Direito do Trabalho com o Oscar, e do Brasil inteiro no Reflexos Jurídicos da Pandemia, fora quem já comprou o módulo Extinção do Contrato de Trabalho no Rico Domingues. Isso é muito lindo, receber feedback de pessoas em quem eu dificilmente chegaria, e que provavelmente não poderiam fazer uma viagem para algumas aulas. Chamo de ensino democrático, até no preço, porque o custo é menor. Os vídeos no instagram e Youtube também fazem isso, mas com menor aprofundamento de conteúdo, não se iludam.
Mas, o que quero mesmo dizer para quem chegou até aqui, é que alegria de professor é ser visto , ouvido e lembrado por ter se feito compreender. Sinceramente, não sei como esses artistas conseguem fazer as lives sem público. Professor é meio artista, gosta de platéia, do retorno. Tem sido um desafio totalmente novo falar sem saber se estão me ouvindo, apesar das vantagens que mencionei. Estou em férias agora, da magistratura, e com o serviço em dia, meus pensamentos são planos, projetos de aulas e cursos, tentando adequar à nova realidade, mas em um sistema que me permita interagir o máximo possível, ou me fazer disponível para isso em algum momento.
Então eu pergunto a vocês, alunos: estão me ouvindo?