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Reflexão sobre tecnologia, direito e relações do trabalho

Esta reflexão corresponde ao trabalho final do curso revolução 4.0 que fiz junto à enamat, a escola nacional da magistratura do trabalho, que foi incrível e aprendi muito sobre inteligência artificial, algoritmos, redes sociais, etc. Ainda tenho muito a aprender sobre o assunto e a vencer no meu analogismo.

Tenho lido textos e assistido a vídeos muito interessantes que abordam as novas ocupações, e falam do quanto já houve e ainda haverá de mudança no modo de produção das indústrias, serviços e comércio. No entanto, quando recebo ações trabalhistas de pedreiros alegando recebimento de salário extrafolha, não pagamento de horas extras, trabalho em condições insalubres e doenças osteomusculares por conta da falta de ergonomia no local de prestação de serviços, me pergunto: onde estão essas novas profissões? Para quem são? Onde estão os robôs que, dizem, já estão substituindo os trabalhadores neste tipo de atribuição, que, inclusive, lhes causa problemas de saúde?

As atividades braçais desse tipo são extenuantes, de modo que a força de trabalho desse operário, definitivamente, não será duradoura. E apesar disso, as reformas na Previdência Social insistem em lhe exigir maior tempo de atividade para se aposentar, até porque a expectativa de vida está maior, embora todos admitam que há muita chance do trabalho que ele sabe desempenhar deixar de existir. Então o que ele fará?

No mundo ideal que esperamos da tecnologia, tarefas exaustivas e de pouca especialização são substituídas por máquinas pesadamente sofisticadas, e, em vez de quatro a oito trabalhadores se revezando na função, teremos dois operadores de máquina. Com sorte, os operadores serão dois dos antigos operários braçais que conseguirão se capacitar e aprender a operação, mas pelo menos quatro a seis empregos estarão perdidos, e os trabalhadores que lá estavam, com pouco ou nenhum estudo formal, terão que aprender, com mais de quarenta anos e um rosto sofrido que aparenta sessenta, uma nova função, talvez em nada relacionada ao que ele estava acostumado a fazer nos últimos vinte anos.

E tais mudanças, que estavam acontecendo já com maior velocidade do que no passado, provavelmente serão aceleradas com a pandemia causada pelo COVID19, pela necessidade de se manter produção com menor número de pessoas.

É bem verdade que quando iniciamos o processo industrial no mundo, isso já aconteceu, mas os trabalhadores eram em menor número absoluto, inclusive porque eram muito menos pessoas no mundo. Além disso, menos mulheres trabalhavam, e os idosos eram assim considerados aos 50 anos, e saíam do mercado de trabalho, inclusive rural. Os trabalhadores foram capacitados para trabalhar em linhas de produção, algo que não sabiam fazer. No pós revolução industrial, as crianças também foram proibidas do trabalho pesado, inicialmente, e depois de todo trabalho, e houve um momento em que a massa produtiva era composta de trabalhadores homens e jovens, os mais propensos a aprender novas habilidades e que podiam se dedicar integralmente a isso (ao contrário das mulheres, que podiam aprender e trabalhar, mas ainda acumulavam, e acumulam, com as tarefas domésticas).

Mas, com franqueza, o aprendizado se resumia a uma única tarefa, não pensante, e que era repetida à exaustão, no modelo fordista então apresentado e que perdurou por mais de um século. Não houve qualquer preocupação em se ensinar a compreensão do todo que se construía, bastando que cada um soubesse exatamente sua função na engrenagem. Com isso, os cérebros não precisaram se desenvolver.

A massa de trabalhadores que está no mercado hoje corre risco de desemprego em massa, porque a substituição por tarefas intelectuais, infelizmente, não se aplica a todos, seja pela dificuldade na capacitação adequada, seja pela desnecessidade de muitos operadores para a mesma atividade.

Não obstante, nas atividades (muitas ainda) em que é necessária a força de trabalho braçal humana, pela remuneração não ser suficiente para as oito horas normais de duração da jornada, as horas extras não mais merecem este nome, e sim horas suplementares, tamanha a habitualidade com que são exercidas. E postos de trabalho que poderiam ser ocupados por dois trabalhadores de 6 horas diárias, ou 7, são ocupados por um, com 10 horas diárias, no mínimo, apesar das proibições legais, mas que momentaneamente interessa ao próprio trabalhador. Isso, além de restringir postos de trabalho, antecipa a “vida útil” do trabalhador, pelo excesso.

O exposto até o momento demonstra que é necessária uma ação global e estruturada para adaptação aos novos modelos de produção, envolvendo todos os atores, e com restrições a algumas formas de desenvolvimento das atividades, ao menos na fase de adaptação, em substituição gradativa.

Para nós, operadores do direito, o trabalho sempre foi intelectual, de modo que o desafio é sempre continuar estudando e compreender as novas tecnologias e, mesmo para os com pouca familiaridade e facilidade (e me incluo) no manejo e compreensão da inteligência artificial, temos muito mais condições de incrementar nosso valor no mundo do trabalho por nos ser acessível o aprofundamento em atividades mais criativas e de cognição emocional, aquela que a inteligência artificial ainda não alcançou. Além disso, a inteligência artificial pode auxiliar na busca das novas habilidades de cada trabalhador.

Nos países de primeiro mundo, as atividades braçais já estão em franca extinção, porque, graças à globalização, podem lá se dedicar ao trabalho intelectual e deixar o físico para trabalhadores do terceiro mundo, que produzem e a riqueza produzida vai para toda parte, menos para o país em que foi produzida, como regra geral.

Então, além de pensarmos na tecnologia em termos locais, há a questão de expansão física, uma versão moderna das expedições europeias marítimas de colonização, mas sem a necessidade do deslocamento das pessoas, apenas do produto final. E a inteligência artificial não conhece tais limites territoriais, de modo que a origem de um produto ficará cada vez menos certificada.

Não tenho dúvidas da mudança dos processos produtivos em geral. Na área de serviços, já vemos operadores de telemarketing que não temos ideia de onde estão baseados, para atender a um universo de países através de sistemas que localizam precisamente o público alvo (os algoritmos, mais uma vez) e tem acesso a informações que indicam seus interesses (por isso a necessidade da legislação sobre proteção de dados, especialmente dados sensíveis). Também para o e-comerce não se conhece fronteiras, e, graças aos algoritmos, nossos gostos já são conhecidos, e até novos amigos fazemos graças a essas escolhas nas redes sociais.

Por fim, quanto à flexibilização de horário, pelo teletrabalho em si, normalmente a flexibilização permite a escolha de trabalhar mais, e não menos, que era a ideia inicial de organização das atribuições ao longo do dia. E se o empresário percebe maior produtividade do trabalhador em sua casa, com menos custo, por que contratar mais pessoas? Neste sentido, mais uma vez um pacto de relações sociais e trabalhistas é necessário, um pacto democrático social para disciplinar tais relações com ética como um dos valores principais.

Menos trabalhadores significam menos consumidores, e toda essa ânsia por maior produção em menos tempo e com menos custo, não gera necessariamente destino a tantos itens prontos e longe de serem essenciais.

O ideal, no meu sentir, é a evolução para que se possa exigir mais do intelecto do que do físico das pessoas, até para a redução do tempo de trabalho, ou um tempo de trabalho tão produtivo e agradável que não gere estresse e cansaço exagerados, havendo tempo para lazer físico e familiar. Mas se isso está ocorrendo em alguns setores, em outros vemos uma regressão, como entregadores que, com seu próprio veículo, tem metas rigorosas a cumprir quanto a tempo de entrega de produtos que compramos com alguns toques no celular ou computador, e eles recebem pelas entregas, sem garantia de renda mínima, direito a folgas, férias.

O estranho disso tudo é a aparência de contemporaneidade. Compro com um clic e recebo rapidamente. Isso é moderno e tecnológico. Para o trabalhador que faz a entrega, contudo, é mais do mesmo: ele tem que buscar o produto, conferir, entregar no prazo, ter um veículo e controle das entregas, pegar assinaturas (muitas ainda físicas), com a diferença que, sob o manto das relações modernas de prestação de serviços ou as novas denominações, não está salvaguardado pela legislação trabalhista, e eu sequer o verei na Justiça do Trabalho com a frequência que a situação acarretaria.

Estou com muitas perguntas e quase nenhuma resposta, mas o que aprendi no curso me auxiliou na compreensão de muitas situações novas que eu não conhecia e por isso repelia. O conhecimento liberta.

Encerro com um destaque da obra Uma Simples Revolução, de Domenico de Masi, que pela excentricidade, pode nos fazer pensar, ao falar da virada do milênio 2999 para 3000: “Por sorte, o quarto milênio se inicia com a esmagadora prevalência da civilidade ociosa: aquela em que a introspecção, a amizade, o amor, a brincadeira, a beleza e a convivência tem, enfim, prevalecido sobre as lutas por poder, dinheiro e posse de bens materiais. Hoje, a incivilidade do segundo milênio, centrada justamente no poder, no dinheiro e no consumo, nos deixa curiosos pelo fator arqueológico. [...]Conta-se que, durante toda a noite de 31 de dezembro de 1999, eles dançavam, girando em seus corpos altos e ágeis. É estranho imaginar isso! Acostumados a teletrabalhar, teleamar, teledivertir-nos, tele-estudar, e tele-viajar, a fazer tudo com a cabeça, e dado que ouso desenvolve o órgão, nós, seres humanos de 2999, temos o corpo pequeno e a cabeça enorme, o que nos impede de executar qualquer passo de dança. Mas a perfeição não é deste mundo”.

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