Férias de Julho: entre a nostalgia e a verdade
Graças unicamente ao trabalho duro dos meus pais professores universitários (e dos pais deles para que também tivessem isso e percebessem a importância), tive o privilégio de estudar em colégios particulares de ótima qualidade, e tinha as FÉRIAS DE JULHO, uma delícia pequeno-burguesa que partia da ideia, hoje percebo, de que os pais também tiravam muitas férias por ano. Quando eu era criança eram menos dias letivos. Não sei quantos, mas eu sei que antes do final de novembro eu já estava em férias, e voltava depois do carnaval, lembro de iniciarem as aulas dia 05 de março, imaginem! E em julho eram umas três semanas, depois que reduziram para duas.
Também quando eu era criança, julho era um mês de frio em Santa Catarina, o tempo todo. A temperatura seguia, pasmem, a estação da vez. Então julho era gelado para nós. E minha recordação é de minha mãe buscando algo muito legal para eu fazer nas férias de julho, pelo menos era o que parecia. Para quem é do litoral como eu, férias de verão significavam praia. E é isso, nada mais, e era ótimo. A gente passava praticamente três meses indo à praia, cansando como se corresse maratona todos os dias, torrando e passando pasta d'água, e se chovesse, jogos de tabuleiro e canastra. V I D A. Mas em julho, fazer o que com as crianças? A diferença de idade para meu irmão, de seis anos, pegava nessa época. Não eram as mesmas atrações para a menina de 9, 10, 11, o bebê de 3, 4, 5 anos. Então minha mãe me despachava para o Rio. Digo despachava porque era basicamente isso. Meus tios (que são meus padrinhos), que moram lá, têm quatro filhos, sendo só uma menina, então uma a mais, hoje vejo, não é tanta diferença, ainda mais porque eu e minha prima vivíamos no nosso próprio universo particular e fazíamos realmente muitas coisas juntas, longe do frio do Sul, e o tempo passava muito rápido. Essas lindas férias ocorreram várias vezes. Lembro de uma vez ter ido para Criciuma ficar com minha avó paterna, e era um mundo sem crianças, de modo que eu ia com ela no café beneficente das idosas, com o marido dela, meu avô emprestado, ia ao supermercado, pegar folhas na horta, ovos das galinhas, e via TV, mas era em outra casa. Só de assistir TV em outro lugar, com outras pessoas, sendo uma delas a avó que faz a melhor comida, já tinha cara de férias. Tinha pelo menos um livro para ler e fichar nas férias a partir de uma certa idade, e isso fazia parte da rotina.
Naquela época o dólar era uma fortuna (dèja vu), e viajar em julho já era alta temporada, ou seja, fora de cogitação. Acho que uma vez fomos a Gramado, porque meus pais também tiraram férias totalmente. Embora meus pais fossem professores, eles não tinham o mesmo tempo de férias, e tinham coisas a preparar, ao que me lembre.
O legal é que na minha recordação eu vejo uma preocupação genuina deles, especialmente minha mãe, com a minha diversão nas férias de julho. Ultimamente, atualizando as memórias, parece mais um desespero de eu não ficar o dia todo perambulando pela casa e vendo Vale a Pena Ver de Novo, Sessão da Tarde, Sessão Aventura (Ilha da Fantasia, Hulk, As Panteras...não sou cringe, não, sou velha mesmo) e Sítio do Pica-pau Amarelo, já que ela não podia fazer muitas coisas comigo e com o meu irmão, e ele não podia ser ainda devidamente despachado para lugar nenhum.
Minha percepção mudou porque agora eu tenho um filho que tem férias de julho, embora apenas duas semanas, duas longas e intermináveis semanas, em que eu não estou em férias, pelo contrário, estou trabalhando o dobro do normal porque meu colega juiz é que está em férias. Meu marido também não está em férias porque a chefe dele não está em férias. Mas nem queria, porque senão eu e ele nunca tiramos férias juntos.
Eis que me vi pensando: o que vou fazer com esse guri? Engraçado, porque não é "o que ele vai fazer nas férias"? , e sim o que eu vou fazer a respeito, claro.
Ele foi passar dois dias na casa do amigo que conhece desde que nasceu, filho da minha melhor amiga, em Blumenau, lembrando que cuidar de dois, ainda mais nessa idade, é mais fácil do que de um, porque os dois se entretêm, e o dela é mais velho. Depois foram três dias na casa do meu pai em Floripa, a casa do Opa é show, meu irmãozinho Ralf (tá, ele já tem 14, mas o outro tem mais de 40) veio passar as férias. Foi direto de uma para outra, nem vi, só quando fomos buscar, e tenho certeza de que ele cresceu uns centímetros nessa semana fora. Pronto, resolvemos uma semana. Ufa.
Mas tem mais uma. Meu filho tem 11 anos, não me dá "trabalho". Ele precisa do básico, e o básico inclui o videogame. E graças ao ano de 2020, este troço passou a ocupar um lugar de muito mais destaque do que eu gostaria nas nossas vidas, e estou aos poucos tentando mudar a situação. Mas o fato é que para estimular a não jogar, tenho que oferecer opções. Consegui organizar a agenda (desorganizando muita coisa) para irmos ao cinema em uma tarde, já esticar, e compramos colchão novo que ele precisava. Em outra tarde, subitamente convidei para um açaí, convite irrecusável sempre. Tivemos formalmente uma tarde de assistir vídeos comendo pipoca. Leu um pouco, mas o Fortnite é mais forte, com perdão do trocadilho. E eu mesma não tinha muito a oferecer para ele, tendo que trabalhar.
Mãe é culpa, é uma tristeza isso. Se você que está lendo não tem filhos, desculpa o desabafo materno, mas fique por aqui para me dizer como eram as suas férias de julho, vai.
Nesses dias fiquei tentando me lembrar o que as outras pessoas da minha idade faziam nas férias de julho. E me dei conta de que a grande maioria não tinha pais preocupados como os meus em que eu tivesse alguns dias de entretenimento fora de casa, que tivesse literalmente o que fazer, e estava tudo bem para todo mundo. Só que minha mãe é do movimento, gente (quem diria...hahahaha), ela nunca gostou de ficar sem fazer nada, e assistir TV, para ela, em geral, é não fazer nada. Só vale se for um filme ótimo devidamente programado, e, atualmente, séries entram. Para ela era o fim ver os filhos grudados na TV, "sem fazer nada". Mas lembrei que nem todas as mães eram assim, tanto que cheguei a ir em casa de amigas e ficarmos...vendo TV, e tudo bem. Se alguém fosse na minha casa, minha mãe nem deixava ligar o aparelho, "vão brincar". Quando eu era bem menor, lembro de termos aniversário de boneca com bolo, brigadeiro, mesa posta e brincadeiras, e me dei conta do quanto isso dava trabalho para minha mãe quando fiz também para a Júlia, minha enteada, e quando fui me aventurar a fazer bolos decorados junto com o Arthur. Final de semana é lindo, a gente se desconecta minimamente em geral (salvo algumas aulas), e beleza. Mas vai passar duas semanas preparando entretenimento e atendendo a chamadas. Toda minha admiração às mães que conseguem com os filhos pequenos.
E fiquei pensando que não tenho resposta certa para a pergunta: temos que pensar em algo para as férias de julho, afinal? Quando eu estou em férias tenho tendência de fazer programação para vários dias, mas aprendi, a duras penas, a selecionar dias para literalmente não fazer nada, nem ler (porque ler faz parte da intensa programação de férias, estou sempre atrasada nas leituras).
Então será que tenho que ficar arrumando coisa para o menino se ocupar nas férias dele? Ele é criança, mas nem tanto, e já não quer que arrume distração comigo junto o tempo todo. Mas ainda curte o cinema dividindo a pipoca e pezinhos roçando, abraço apertado, muitas risadas vendo vídeos, mostrar jogadas, então na verdade é mais um paradoxo materno: eu quero fazer atividades com ele, nem que seja comer bolo sem gluten que ele ajudou a fazer, enquanto ele acha minha companhia desejável, mas também quero que ele suma da minha frente para eu trabalhar em paz, sem a impressão de que ele está emburrecendo nas férias e sou a péssima mãe que deixa jogar videogame sem limites.
Felizmente, quando tudo isso começa a perturbar seriamente meu raciocínio, acabaram as duas semanas. Lá foi ele começar de novo. E eu? estou trabalhando como gosto e como tem que ser,. E estou com saudades dele, pode isso, Brasil?
